Roger Waters em Salvador - Turnê Us+Them - 17/10/2018

Autor: João Taboada   •   23/10/2018

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A apresentação de Roger Waters da turnê “Us+Them” em Salvador, já tinha sido anunciada com um ano de antecedência, porém, muitos, como eu, deixaram pra comprar o ingresso na última hora. Nada de anormal. Mas, por causa disso (acredito), o valor das entradas baixou em 60%, o que me permitiu adquirir o ingresso da pista Premium, que era justamente o lugar que mais me interessava. Quando figuras históricas da música, aquelas que fizeram parte de nossa formação cultural e política desde novos (como neste caso), vêm a Salvador, é prudente não perder a oportunidade. Não que essas pessoas sejam melhores artistas que os artistas daqui, mas elas já passaram a fazer parte de nossa memória desde muito tempo e é legal quando a gente tem a possibilidade de conferir seu desempenho ao vivo, vendo-os tocar os sucessos que a gente ainda canta (e, às vezes, toca) até hoje.


Bom, depois de um certo empurra-empurra na entrada da Arena e de pessoas furando fila - tipo de situação que me faz desconfiar se o baiano é sempre um povo cortês e educado -, entraram todos sãos e salvos. O show, programado para iniciar às 21h, começou mesmo às 21h15, o que proporcionou um tempinho para que os retardatários pudessem pegar a apresentação desde o começo. Roger Waters, para quem foi ao evento sem saber, é um dos fundadores do Pink Floyd (banda inglesa de rock progressivo/psicodélico iniciada em 1965), um de seus principais compositores e letristas, baixista, e principal vocalista - até perder o direito de uso do nome da banda para David Gilmour (o guitarrista).


O Pink Floyd chegou para mim por volta de 1983 através do The Final Cut ou, mais especificamente, de “Not Now John”, música do lado B do LP (nossa mídia popular da época) e que tocou muito no rádio. Sim, Pink Floyd tocava no rádio. Na verdade, “Another Brick in the Wall – part 2”, em virtude do filme, já havia tocado também, tornando-se, inclusive, o “Ré Menor” mais conhecido das rodas de violão roqueiras do período. Além do Pink Floyd, diversas outras bandas estrangeiras (e nacionais) que ouvíamos nessa época serviram para ajudar a construir a consciência política-social que passamos a ter. E essa postura política/social/humanitária de Waters ajudou-o a criar grandes obras como o álbum Animals, o The Wall (que virou filme depois) e o já mencionado The Final Cut, e foi parte bastante presente na excursão pelo Brasil – curiosamente, também, um dos motivos que fizeram com que ele angariasse muitas vaias para si mesmo na apresentação de São Paulo.


O clima da apresentação em Salvador, porém, manteve a atmosfera de tranquilidade típica das músicas do Floyd (que compuseram a maior parte do set list) e que, para sorte de quem pagou pelo ingresso, não foi interrompido por alguma vaia ou intercorrência político-partidária – embora elas tenham acontecido. Aliás, a despeito de valorizar a postura de artistas que através de seu trabalho embutem na gente uma noção de responsabilidade social, me pareceu meio deslocada a atitude do ex-baixista do Floyd de assumir uma posição política em relação a uma questão sobre a qual não vive e, por tabela, não está a par (e demonstrou isso ao não entender o porquê das vaias que recebeu em SP). Esse processo eleitoral que estamos passando é um assunto que diz mais respeito a quem já o acompanha há anos (nós brasileiros) e que, de fato, tem poder de decisão sobre ele (como manifestações nas redes sociais e voto). Pessoas que só estão de passagem não deveriam interferir, afinal, quem sofrerá as consequências desse processo seremos nós e não quem só apareceu para tocar, deu seu recado e foi embora.


Mas ficou claro que o show foi veículo das posturas políticas de Waters não só nas canções, como também nos momentos em que foram exibidas mensagens de resistência diversas (tais como RESIST RACISM e RESIST NUCLEAR HOLOCAUST), além da participação ao vivo de meninos do Projeto Axé em “Another Brick in the Wall” e da homenagem ao Moa do Katendê (capoeirista baiano assassinado por questões políticas), que agradaram bastante ao público. O excesso de mensagens, entretanto, fez o show soar um pouco panfletário. Acho que poderia ter demorado menos tempo nisso, afinal, fomos lá para ouvir música. Conscientização é um processo que demora anos e não vai acontecer de repente, num trecho de show, por mais que se seja insistente nessa questão.


No que diz respeito à parte musical, o evento foi realmente muito bom. Músicas conhecidas de diversos álbuns como Wish You Were Here, Animals, The Dark Side of the Moon e The Wall, além de 3 composições da carreira solo de Waters, deixaram o público de 30 mil pagantes totalmente compenetrado, ouvindo e cantando junto. No palco, mais 9 músicos além de Waters: 1 baixista extra + 2 guitarristas + 2 tecladistas + 2 vocalistas + 1 saxofonista e 1 baterista. Destaque para as vocalistas platinadas, super aplaudidas nas apresentações e no final do show, para o desempenho do saxofonista no solo e nas intervenções da bela e dramática “Us and Them”, e para os guitarristas, que replicaram os solos de David Gilmour com muita precisão (especialmente em “Money” e em “Time”). Muito bom poder ouvir as músicas tocadas de uma maneira próxima da gravação original, afinal, foi desta forma que nos acostumamos a sentí-las.


No que tange à parte visual, vimos efeitos incríveis. Feixes de laser colorido saindo do palco e alcançando o topo do estádio e uma pirâmide de luz acima do público (fazendo referência à capa do álbum The Dark Side...) fizeram as pessoas esquecer um pouco o palco e admirar essa bela catarse visual. Mas algumas outras coisas também prenderam bastante a atenção da plateia como o cara vestido de porco, que circulou pelo palco e que se revelou Roger Waters após tirar a máscara para, em seguida, cantar a música “Pigs”, e um “pigs” gigante que circulou acima do público em volta do estádio (na verdade, um balão enorme em forma de porco que se movimentou de maneira circular, percorrendo a parte interna da Arena). Outra coisa muito legal foi que, a parte superior do mega telão, a partir da música “Dogs” (tocada depois das mensagens e antes de “pigs”), foi iluminada e pôde-se ver 4 chaminés como na Usina Termelétrica de Battersea (Londres) onde foi tirada a foto para o álbum Animals, fazendo uma referência clara ao local. Inusitado e muito bonito.


O set list da apresentação de Salvador foi o mesmo das apresentações de outros estados, à exceção (pelo que percebi) de que, quase no final, Waters inseriu “Tree Suns in the Sunset” - do The Final Cut - no lugar de “Mother”, antes de entrar em “Comfortably Numb”, que encerrou a apresentação.


Enfim, quem foi à Arena Fonte Nova nesse 17 de outubro, teve a satisfação de presenciar um show de alta qualidade, com um Roger Waters politizado (como não poderia deixar de ser) e bastante descontraído. Waters é hoje um megamilionário. Se a politização dele é um fake para angariar fã ou se ele realmente ainda acredita em tudo o que fala, vamos descobrir em algum futuro momento. Vale comentar também que o discurso proferido por Waters do “temos que lutar contra os poderosos”, atualmente, além de demodê, lhe soa meio incongruente, afinal a gente fica sem saber se os poderosos seriam, de fato, apenas os políticos da hierarquia mais alta de um país ou se seriam aquelas pessoas que, como o músico, já ganharam muito dinheiro. Mas uma coisa não há como negar: quem esperou uma apresentação nostálgica e de qualidade musical (e visual) nível Floyd - e conseguiu transcender toda essa condição de polarização política e de excesso de patrulhamento que a gente vive hoje - não teve do que se queixar. Depois de quase três horas de um “Time” bem investido (o show teve início às 9h15 e terminou às 12h5) só nos restou entoar (de novo) “Home, home again”...


Confira o set list do show clicando aqui. 


Imagens de abertura do post: divulgação
Fotos da galeria: João Taboada / Ricardo Guimarães



Ponto negativo do evento: comprei entrada para o estacionamento da Arena através do site da Estapar (que informava que bastava apresentar o QR Code no visor para a liberação), porém, quase não conseguia estacionar. Isso porque o visor estava quebrado e eu só tinha o QR Code no celular (não tinha o comprovante impresso). Se não fosse a boa vontade dos seguranças iria ter que deixar o carro lá fora, mesmo depois de ter pago pelo estacionamento da Arena e perdido meu tempo tentando resolver o problema. Essa, a Estapar ficou devendo.


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