Denfire

Autor: Mário Pescada   •   04/12/2023

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Postado por: João Taboada  •  399 hits


Denfire é um sujeito inquieto: músico multi-instrumentista, tradutor, escritor, dono da editora que leva seu codinome, já morou em Londres por dez anos, em uma comunidade carente de Paraty/RJ por cinco anos e segue morando hoje em São Paulo.


Em Londres, entre trabalhos diversos, foi o primeiro correspondente internacional da revista Comando Rock, editor de seu próprio portal bilíngüe - o Rockonnection - e formou o MISCONDUCTERS, trio que fundia punk, metal e alternativo, junto com outros dois músicos estrangeiros.


De volta ao Brasil, criou a Editora Denfire que completa em 2023 cinco anos de atividades e que já emplacou ótimos livros sobre IRON MAIDEN, MERCYFUL FATE, JUDAS PRIEST, NAZARETH, BLACK SABBATH e DIO, só para citar alguns títulos, muitos deles do talentoso escritor e jornalista canadense Martin Popoff – obras essas até então inéditas no Brasil.


 


Como você descobriu as obras do Martin Popoff e como foram as negociações com ele para lançá-las aqui no Brasil?


Conheci um pouco do trabalho dele como colaborador de sites quando eu morava em Londres. Em 2017, já de volta ao Brasil, li um de seus livros pela primeira vez, o então recém-lançado Hit The Lights (nota: livro que conta a história do surgimento do thrash metal).Como gostei bastante, entrei em contato e, após mostrar parte do meu portfólio como correspondente internacional e conversarmos informalmente sobre música, sugeri traduzir o livro em questão e oferecê-lo à alguma editora brasileira. Ele gostou da ideia, mas após quase um ano inteiro entre tradução e recusas de diversas editoras, precisei notificá-lo de que o projeto parecia não querer vingar. Isso me serviu bem, pois fui estimulado a abrir minha própria editora.


 


O catálogo dele é imenso, são 115 biografias(!!!) de bandas de rock/metal, algumas já fora de catálogo. A ideia é resgatar os lançamentos mais antigos ou focar nos mais novos?


Pois é, e na época do Hit The Lights esta marca era de “apenas” 60 livros lançados, o que mostra o quanto esse campo vingou a seu favor nos últimos anos. Eu adoraria publicar vários livros dele, mas preciso me ater apenas aos que ele lançou de forma independente, porque negociar com editoras gringas fica um pouco fora de mão para alguém do meu porte. Além do mais, dou muito valor a um relacionamento direto com o autor e procuro evitar negociações com empresas que visam o lucro em primeiro lugar. 



O mercado editorial brasileiro se abriu de uns cinco anos para cá para lançamentos voltados ao rock/metal, seja por editoras, seja por lançamentos undergrounds. Como é trabalhar com livros desse segmento no Brasil?


É bem difícil, exige muita dedicação. Quase 2/3 dos brasileiros admitem não ter o hábito da leitura e, no meio rock/metal não é diferente. Os oportunistas sempre existirão, mas ao garimpar nessa miríade de lançamentos gourmet é possível encontrar muito material com conteúdo de alta qualidade, como Leia No Volume Máximo de Felipe Senra e a compilação homérica do No Front Zine do Aldo Sketch e do Fred – ambos ótimas sugestões suas.


 


Além dos livros biográficos, a editora também deu espaço a títulos ligados a música, de alguma forma. De uns tempos para cá, esses lançamentos diminuíram. O que houve? Esse tipo de título não vai mais fazer parte do catálogo da editora?


As biografias vendem mais, enquanto livros de ficção como o Punk Faction tendem a encalhar ou sair muito vagarosamente. Tem muita coisa legal de autores underground que eu adoraria publicar, mas preciso manter os pés no chão. Ainda assim, pretendo lançar algo fora do formato biografia toda vez que der uma desapertada no orçamento.  


 


Seu livro, Offline: Sondando O Underground, reproduz dezenas de entrevistas suas, de 2006 a 2013, com NAPALM DEATH, AMEBIX, CANNIBAL CORPSE, THRASHERA, RATOS DE PORÃO, TIAMAT, JELLO BIAFRA, MASTER, PENTAGRAM, HENRY ROLLINS, TORTURE SQUAD, KREATOR, MASSACRE, URIAH HEEP, BRUTAL TRUTH e muitos outros. Quais lembranças você tem dessa época e, em geral, como foi a experiência de conversar diretamente com essas bandas, muitas das quais você é fã?


Essas entrevistas foram feitas durante o decênio em que morei em Londres e são uma lembrança muito especial para mim. Cheguei lá com 26 anos, e hoje, aos 46, fico muito satisfeito por ter tomado a decisão de explorar uma região que é uma verdadeira meca do rock. Fiz e vi shows em diversas casas icônicas, frequentei lugares repletos de músicos e artistas, morei em bairros cheios de história, enfim, absorvi abundantemente a cultura britânica. Como sempre gostei de ler e escrever, me lancei no mundo do jornalismo musical para cobrir shows e, eventualmente, entrevistar bandas. O credenciamento lá é bem mais fácil do que aqui, então tive acesso a muitos “chiqueirinhos” (a área entre o palco e as barreiras que separam o público da banda), ônibus de turnê e bastidores. Após praticar com entrevistas por escrito, minha primeira “cara a cara” foi com Mark Osegueda e Rob Cavestany, do DEATH ANGEL, ambos gente finíssima. Na maior parte, as entrevistas foram boas ou ótimas, e pude conhecer melhor muitos músicos que admirava, além de me inteirar melhor sobre vários aspectos dos ramos da arte e do entretenimento.


 


Você descreveu sua entrevista com o Lemmy (MOTÖRHEAD) como uma das piores que fez por não estar devidamente preparado e ele estar num baita mau humor. Conta um pouco mais pra gente como foi esse dia, afinal, Lemmy é Lemmy!


Essa entrevista ocorreu em fevereiro de 2009 em Cambridge, pois o credenciamento para o show de Londres já estava esgotado. Apesar de eu ter chegado lá na hora combinada, o empresário disse que o Lemmy estava “num daqueles dias” e precisava de tempo para “melhorar o humor”, e achava que isso poderia demorar algum tempo, então o mais sensato seria eu dar meia-volta e deixar pra lá. Como sempre fui um grande fã daquele velho ranzinza e havia me desdobrado para conseguir sair de Londres durante a tarde, fiquei num pub próximo aguardando o empresário tentar sanar a situação, e neguei todos os pedidos de “Por favor, vá embora”, que ocorriam a cada 10 minutos pelo celular, até que ele finalmente se rendeu. Uma vez dentro da casa, ainda precisei esperar mais uns 15 minutos próximo da famigerada road crew, que montava o palco, antes de entrar na salinha minúscula na qual o Lemmy se encontrava sozinho jogando uma daquelas máquinas caça-níquel. A olhada que ele me deu assim que entrei já ditou o tom do encontro – ou, pelo menos, a primeira metade. Apertei o REC do gravador, apoiei-o na mesa e saquei as perguntas que eu tinha escrito à mão em tiras de papel. Por ser um grande fã, achei, ingenuamente, que apenas umas colinhas seriam o suficiente para conduzir uma entrevista daquele porte – ao invés de imprimir perguntas bem elaboradas em folhas sulfite, como sempre fizera. Para piorar, como gosto muito mais da fase da banda que vai até 1991, fiquei perguntando sobre fatos antigos e ele sempre se queixava, dizendo que aquilo já tinha acontecido há muito tempo e que não queria responder coisas do tipo. Quando tudo parecia perdido, falamos algo sobre sua performance como baixista e ele começou a ter um surto de autopiedade, e eu simplesmente não acreditei no que estava ouvindo. Eu disse, então, que ele era o Lemmy e que não precisava provar nada a ninguém, etc., e dali em diante ele passou a olhar na minha cara pela primeira vez. A entrevista desandou e não cheguei a fazer nem 1/3 das perguntas mas, pelo menos, os ânimos eram outros. Antes de sair, tirei uma foto com ele e rumei para a estação de trem, que ficava a uma boa caminhada de lá. Meia hora depois, o empresário me ligou dizendo que eu tinha esquecido o gravador em cima da mesa. Voltei para pegar e, ao chegar em casa, descobri que o aparelho tinha ficado ligado o tempo todo! Ou seja, tem uns 20 minutos de conversa do Lemmy com o empresário, falando sobre futuros agendamentos, hotéis e camarins específicos... até que o Lemmy diz: “O que é isso? Acho que o rapaz esqueceu o gravador”.


 


Esse livro também aborda coberturas para os festivais Hellfest (2010) e Rebellion (2009 e 2010, considerado o maior festival independente de música punk do mundo). Qual te impressionou mais e quais as maiores diferenças dos festivais gringos para os feitos no Brasil?


O Hellfest é o melhor festival de música pesada ao qual já fui: muitas bandas boas, de diferentes gêneros, onde praticamente todas as apresentações que vi começaram no horário anunciado durante os três dias de duração – um ponto baixo foi a falta de limpeza dos banheiros e área de camping, que no último dia estavam em péssimo estado. As duas edições do Rebellion foram excelentes também, e o legal é que a pequena cidade costeira de Blackpool (logo ao norte de Liverpool) fica forrada de punks por cerca de quatro dias. Mas notei que desde que voltei para o Brasil, há dez anos, as coisas mudaram bastante e os festivais por aqui agora estão com uma estrutura bem melhor. Com tanta banda gringa vindo pra cá, não seria possível continuar fazendo as coisas com desleixo ou picaretagem. Parece que, salvo as exceções que sempre existirão, tanto bandas quanto promotores, estão cada vez mais se tocando de que precisam fazer seu trabalho direito se quiserem ser respeitados e engatar suas carreiras. Dito isso, é lamentável que ainda haja aberrações como pista vip e sejam cobrados valores obscenos para alguns shows underground.


 


No livro Relatos da Quarentena, você juntou músicos/artistas como Tony Dolan (ex-VENOM, VENOM INC.), Martin Popoff (jornalista/escritor), Walcir Chalas (proprietário da Woodstock Rock Store), Carlos Lopes (DORSAL ATLÂNTICA), Leather Leone (CHASTAIN, solo) e outros, para relatarem como estavam enfrentando a pandemia da Covid-19, que estava no seu ápice e pegou todo o mundo de surpresa. Como surgiu essa ideia e como você lidou com esse período? Até o final de 2020, foi um período bem estressante e duro para mim.


Sou antenado com os acontecimentos internacionais, então soube do potencial do Covid já em novembro de 2019, quando nos States e na Europa os mais desesperados começaram a surtar com os alardes da mídia terrorista. Como a coisa toda parecia estar tomando proporções maiores do que as de crises de saúde pública em larga escala costumeiras, e tudo era ainda muito incerto, achei relevante capturar os desdobramentos em tempo real, ou seja, contatar pessoas de diferentes países e que fossem das artes e do entretenimento para saber o que pensavam de tudo aquilo e como estavam se virando, já que os donos do mundo mandavam todos ficar em casa. Sorte minha que pude continuar com a editora e traduções, mas e quanto a quem não tinha como trabalhar em formato home office? Enquanto os acordos nefastos entre empresas farmacêuticas multinacionais e governos do G7 eram feitos, o resto do mundo ficava à mercê do que a mídia vendida noticiava após coletar os dados dos corruptos órgãos de saúde. Com a bomba na mão, coube aos governantes de cada país jogar o jogo como lhes fosse mais conveniente, e no Brasil, já desgovernado, testemunhamos um verdadeiro show de horrores. Vale apontar que, em meio a todo aquele descontentamento apavorado e recheado de neurose que as pessoas expurgavam através das redes sociais, muita gente (na maioria, mulheres) que contatei para fazer parte do livro ignorou ou negou o convite; no Brasil, professores mais velhos alegaram que o governo vigente poderia vir a se comportar como na época da ditadura, enquanto pessoas dos EUA, Chile, Inglaterra e Japão disseram preferir não ter seus nomes publicados em livros para evitar eventuais problemas em suas moradas. Mesmo entre os participantes do livro é possível notar a diferença de tom e profundidade adotados. Isso tudo demonstra a eficácia do medo como arma infalível para empurrar praticamente qualquer agenda reformista – ou bloquear uma.


 


Você morou em Londres por 10 anos e lá fundou o MISCONDUCTERS, power trio que fundia punk, metal e alternativo com outros dois integrantes estrangeiros. A banda chegou a lançar cinco discos de estúdio e conseguiu um certo reconhecimento no disputado underground londrino, abrindo shows para DISCHARGE, ENGLISH DOGS, DISORDER, BROKEN BONES, entre outros. Quando voltou ao Brasil, reformou a banda, certo? Ela acabou de vez?


Sim, após ter feito parte de outras bandas por lá mesmo, fundei o MISCONDUCTERS em 2008. Ao voltar para o Brasil,reformei o trio com dois brasileiros e gravamos mais três discos. Essa formação desbandou e uma outra foi tentada, mas novamente empacou, então resolvi finalmente jogar a toalha e seguir em formato solo com o DENFIRE. 



O DENFIRE tem dois EPs virtuais no Bandcamp: Riding The Winds Of Death (2021) e Collective Insanity (2022).
Neles você canta, toca, compõe, produz. Como foram as recepções aos lançamentos? Há algo novo em vista?


Todos que ouviram gostaram muito e parecem concordar que, musicalmente, se trata de um passo adiante em relação ao MISCONDUCTERS. Tenho seis músicas na manga e planejo gravar um álbum no ano que vem. Mas, a boa nova é que esses dois EPs que você mencionou acabaram de sair em fita cassete pela Rocketz Records.


 


E o DENFIRE deve seguir só com você ou há planos de incluir outras pessoas?


A princípio, apenas eu. De 1991 até hoje, escrevi dezenas e mais dezenas de músicas e toquei em diferentes bandas, de diversos estilos (dentro do rock), e muito material foi desperdiçado com gente que não se empenhava. Esses dias mesmo li um breve relato da Prika Amaral (da  banda NERVOSA), onde ela desabafava sobre se dedicar mais do que as outras integrantes e, mesmo assim, dividir o pão de forma igualitária – o que ocasionou em diversas rupturas na estrutura da banda. Sei muito bem do que ela está falando e, no meu caso, são 32 anos ininterruptos de devoção absoluta e sem a metade do respaldo que ela conseguiu. Ainda assim, sigo em frente mais criativo e afiado do que nunca, porque quem realmente leva essa arte a sério, não precisa de aplausos e regalias para exercer o que diz estar “na alma”.


 


O que dá mais trabalho: tocar uma editora ou uma banda?


Apesar de existirem algumas semelhanças entre as duas, talvez levar uma banda seja um pouco mais “ingrato” devido à desproporção na balança entre “trabalho e retorno”. De cara, é preciso haver um enorme grau de comprometimento de todos os envolvidos, e isso é muito difícil de ocorrer. Para a banda “vingar” são necessários, além do comprometimento: carisma, contatos e uma boa dose de sorte para que, durante os percalços desse jogo acirrado, cruel e desgastante, a banda consiga se manter ativa e funcional para superar as dificuldades quantas vezes for necessário. No fim das contas, tudo volta ao comprometimento, e não adianta um ou dois membros darem mais do que 100% para compensar a insuficiência alheia. 



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Sobre a lápide de Jim Morrison está escrito "Kawa Ton Aaimona Eaytoy". A inscrição em grego significa "queime seu demônio interior".

      
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