Entrevista com a banda Endometriose (Feira de Santana - Hardcore)

Autor: David Giassi Accioly   •   20/01/2011

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No ano de 2006, três garotas de Feira de Santana, com idades entre 17 e 19 anos, resolvem montar uma banda de hardcore, porém, sob a égide conceitual do feminismo. Agora, 5 anos depois, transformada num quarteto (Adriana Lima/ vocal, Ilani Silva/baixo, Amanda Queiroz/guitarra e Norma Juliete/bateria), com apresentações marcantes em alguns festivais importantes no cenário baiano, como o Palco do Rock e o Feira Noise, e com presença garantida no Festival Vulva La Vida que ocorrerá em Salvador entre 19/01/11 e 23/01/11, a Endometriose marca definitivamente o seu nome no rock baiano, e promete muito mais. Confira abaixo, entrevista com a baixista, Ilani Silva.

1)Fale um pouco do início da banda desde a idéia fundamental sobre o conceito, passando pela opção pelo hardcore, e escolha do nome.

ILANI - A Endometriose é um projeto antigo. Nós começamos, na verdade em 2005 com um trio, Ilani, Juliete e Karla Janaína (guitarra e vocal), a gente fazia rock’n’roll sem compromisso com ideologia. Depois, a Karla saiu, e formamos a banda com a Gabriela Fernandes (guitarra e vocal), em 2006, agora com a preocupação de criar letras de cunho feminista. Nós estávamos em plena adolescência, e nesse período estavam mais acentuadas questões relacionadas ao preconceito com as mulheres em nossas famílias. No meu caso, por exemplo, meus pais gostariam que eu fosse comportadinha, quietinha, submissa, enquadrada nos padrões de beleza, e isso tudo me revoltava, até ir para shows eu só podia na companhia de um homem. Então, quando nos juntávamos, e compartilhávamos nossas experiências, queríamos expor tudo isso em letra, a nossa revolta. Depois, a gente começou a ler sobre teorias, estudar mesmo o feminismo, e perceber que o problema era além do que a gente pensava.

A gente não toca só hardcore, é mistura, é punk rock e grunge. A gente não se preocupa muito com estilo, quando pensamos em fazer uma música as coisas vão acontecendo, se fica num ritmo mais rápido isso é conseqüência também das nossas influencias musicais, então a maioria fica no estilo HC por isso, mas até que agora a gente tá realizando umas composições diferenciadas, mais lentas, estamos priorizando também o aperfeiçoamento das melodias, mas o som reto e sujo é nossa característica principal.

A questão do nome, nossa... Começamos com Kólica, mas já existia uma banda com esse nome, então optamos por Endometriose. A sugestão foi do meu namorado, Bruno, numa brincadeira de ensaio, então a gente gostou muito da sonoridade do nome e também do significado. Não por Endometriose ser uma doença, mas pela relação que fizemos com a dor da doença e a dor social que as mulheres enfrentam no dia a dia, juntou todo, ficou Endometriose mesmo.


2)Quais as principais influências da banda? Essa pergunta não se restringe apenas à área musical.

ILANI - Falando por mim, eu curto de tudo dentro do rock, mas prefiro as músicas com letras relacionadas a protesto social, principalmente se for feminista. Então Dominatrix, Bulimia são as minhas preferidas dentro do gênero. Mas, como falei curto de tudo, Nirvana, The Donnas, L7, Hole, Inkoma, Raulzito, 4 non blondes, 7 years bitch, Devotos... e por aí vai, também gosto de MPB, a poesia de Arnaldo Antunes me encanta, também gosto de Vanessa da Mata, é diversidade. Música boa é aquela que junta melodia marcante e letra sensata, então, tô dentro.

3)Como é o processo de composição das músicas da Endometriose?

ILANI - Primeiro eu faço as letras e depois a gente cria a melodia, não acontece tudo ao mesmo tempo, às vezes a letra fica guardada lá há um tempão, e surge inspiração e a gente coloca uma melodia em cima. Sabe? Eu e Amanda (guitarrista) também costumávamos ficar em casa tocando, criando sons e tal, e a gente fez várias músicas assim.


4)Vocês pretendem se estabelecer profissionalmente como banda, ou é apenas um projeto paralelo à vida particular de cada integrante?

ILANI - Nós somos uma banda, a Endometriose tá aí, mas infelizmente nós não temos recursos para viajar pelo país afora tocando, então ficamos por aqui. A gente pretende gravar um CD em breve, e enquanto isso cada uma leva sua vida, trabalhando com outras coisas. Eu sou formada em Jornalismo, Adriana é técnica em informática, Juliete é assistente administrativa, e Amanda, estudante de matemática. Temos uma vida além da banda, mas se surgir algo que realmente nos dê certeza que podemos abandonar tudo e ficar só com a banda, a gente não vai pensar duas vezes.


5)Muito se discute sobre o verdadeiro poder de conscientização através da música. O que você tem a dizer sobre isso?

ILANI - A música transmite conhecimento, é uma forma do compositor expor ali o que ele pensa do mundo, então quando alguém escuta e concorda com aquela idéia, vai disseminar isso também, então, se você alerta a sociedade o que acontece com você enquanto mulher, as pessoas vão ver isso de uma outra forma, vão enxergar que existe o preconceito e a violência. É uma forma de conscientização, claro, concordo plenamente.

6)O cenário rock ainda é predominantemente ocupado por homens, se tratando tanto de bandas como de público. Como vocês lidam com o provável assédio e jocosidade masculinas, sendo uma banda feminina e feminista?

ILANI - O público não nos trata mal, já ouvimos piadinhas, meninos gozando da gente por tocarmos, achando que não podemos fazer isso, mas na maioria das vezes tem sido tranqüilo, até porque as pessoas já sabem que a banda é feminista, então se falar alguma besteira, vai ouvir!




7) A cantora Pitty, certa vez, disse que no início da carreira, ainda em Salvador, ela costumava usar roupas que escondessem as suas formas, com o objetivo de chamar atenção apenas para a sua música e não pela sua imagem. Vocês têm alguma preocupação com visual? Concordam que atitude e beleza são inconciliáveis?

ILANI - Eu não concordo com a Pitty, nesse sentido porque, se eu quero vestir algo, não vai ser um homem que vai dizer que devo me vestir toda coberta pra ele ouvir apenas o som e não me ver, eu existo como sou, então se que vestir uma saia, um short, é opção minha, não tem que me esconder por isso. Esse exemplo é parecido com o que as mulheres questionavam antigamente, do assédio sexual em empresas, e a desculpa não era os homens, mas a forma como as mulheres se vestiam, quer dizer, a gente tem que se moldar aos desejos e não desejos masculinos? Fala sério, não mesmo.
Então assim, na banda, cada uma se veste do jeito que gosta, que acha melhor, a gente não se preocupa com isso.


8) A Endometriose se posiciona como uma banda feminista. Vocês não temem que a banda fique estigmatizada, ou que acabe soando repetitiva no seu discurso?

ILANI - Não, tem muitooo o que se falar sobre feminismo, cada experiência é diferente, então quando relatamos nunca vai ser igual, e também se rolar de falar sobre outros assuntos, vamos fazer isso, não existe nada que nos impeça, mas prioritariamente levamos conscientização através do feminismo.


9) As integrantes costumam participar de entidades ou eventos diversos que tratem dos direitos das mulheres?

ILANI - Eu costumava participar de palestras, tinha um blog onde também escrevia sobre tudo que estava acontecendo no Brasil relacionado às mulheres, e a questão de gênero, mas depois que comecei a trabalhar e saí da Universidade, ficou difícil por causa do tempo, mas livros eu sempre estou lendo e notícias para atualizar as informações.


10) Na Bahia, atualmente, o pagode tem dominado o mercado da música, e, dentro desse estilo, existem muitas letras que vulgarizam as mulheres, assim como também, muitas mulheres têm se submetido a situações vexatórias. O que você pensa sobre isso?

ILANI - Muitas mulheres não sabem que estão sendo estigmatizadas com aquilo, acham normal, acham que não há problema, e na verdade quando aceitam esse tipo de música, tão batendo de frente com o feminismo. Eu não as culpo, nem também culpo os compositores, eles fazem aquilo pra chamar atenção, não tem noticia sensacionalista? Na música também é assim, vamos chamar atenção de alguma forma, então partem para letras de sexo e vulgarização da mulher, que infelizmente dão audiência. Em relação aos compositores, muitas vezes essas pessoas não tiveram estudo, são criados por pais machistas, família tradicional, então só continuam a cadeia produtiva, por isso é interessante que a mídia e agentes sociais, o governo trabalhe para mudar essa realidade, e conscientizar essas pessoas, mostrar que aquilo não é legal. E nós, enquanto banda fazemos nossa parte, mostramos o outro lado, com respeito as diversas opiniões.


11) Recentemente, a banda Rage Against The Machine voltou à ativa, mas, um dos motivos alegados para explicar sua dissolução, na época, foi o fato de que o discurso político e panfletarismo do grupo estariam se sobrepondo à parte musical, propriamente dita. Vocês tomam algum cuidado para que isso não aconteça com a Endometriose?

ILANI - Pô, Rage é uma banda de grande dimensão, não dá pra falar sobre a Endometriose, nós somos uma banda pequena, restrita à Bahia, então não existe essa preocupação no momento.


12) A pílula anticoncepcional, na época do seu advento, acabou simbolizando a liberdade sexual da mulher, atribuindo-lhe maior independência e autonomia, e, assim, foi tomada como bandeira pelos movimentos feministas. A Endometriose tem uma música intitulada "Amiga Pílula". A música foi feita em homenagem a aquele período?Nos tempos atuais, a "camisinha" já não cumpre o mesmo papel, e de maneira ainda mais ampla?

ILANI - Não. A pílula representa um anticoncepcional muito importante ainda nos dias atuais, a camisinha é eficiente na prevenção de doenças e gravidez, mas por exemplo, dentro de um relacionamento, onde a maioria dos casais não usam camisinha, como a mulher vai se proteger de uma gravidez indesejada? Só com a pílula ou outros métodos anticoncepcionais, mas a pílula é o mais usado. A camisinha não descarta a importância da pílula, nem também a pílula descarta a importância da camisinha, a gente diz isso na letra: "Só não me coloque em maus caminhos, a combinação perfeita é camisinha e a minha amiga pilula".


13) Gostaria que você deixasse um recado, em especial ao público feminino, que ainda não conhece a Endometriose.

ILANI - Vamos deixar um recado para tod@s. Pessoal, em breve a Endometriose vai gravar um CD, a gente enfrentou muitos problemas com saída e volta de integrantes, mas nunca desistimos de seguir com a banda, e planejamos dar o melhor de nós ao público, compondo e inovando sempre. E meninas, não tenham medo, vão tocar! Se você tem vontade de ter uma banda, de tocar guitarra, baixo, bateria, seja lá qual instrumento for, corra atrás, não desista, é importante que mais mulheres toquem, nós temos a mesma capacidade que qualquer outro gênero. Por isso, lutem! Riot Grrll never die!

Entrevista realizada por:
Subcomandante Marcus
hdramone@gmail.com


 

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